 Crê pois, meu doce bem, meu doce encanto,
 Crê pois, meu doce bem, meu doce encanto,
Que te anceam phantasticos terrores,
Prégados pelo ardil, pelo interesse.
Só de infestos mortaes na voz, na astucia
A bem da tyrannia está o inferno.
Esse, que pintam barathro de angustias,
Seria o galardão, seria o premio
Das suas vexações, dos seus embustes,
E na pena de amor, se inferno houvesse.
Escuta o coração, Marilia bella,
Escuta o coração, que te não mente:
Mil vezes te dirá: “Se a rigorosa
Carrancuda expressão de um pae severo,
Te não deixa chegar ao charo amante
Pelo perpetuo nó, que chamam sacro,
Que o bonzo enganador teceu na idéa
Para tambem no amor dar leis ao mundo;
Se obter não podes a união solemne,
Que allucina os mortaes, porque te esquivas
Da natural prisão, do terno laço
Que com lagrimas, e ais te estou pedindo?
Reclama o teu poder, os teus direitos
Da justiça despotica extorquidos:
Não chega aos corações o jus paterno,
Se a chamma da ternura os affoguêa:
De amor ha precisão, ha liberdade;
Eia pois, do temor saccode o jugo,
Acanhada donzella; e do teu pejo
Déstra illudindo as vigilantes guardas,
Pelas sombras da noute, a amor propicias,
Demanda os braços do ancioso Elmano,
Ao risonho prazer franquêa os lares.
Consista o laço na união das almas:
Do ditoso hymenêo as venerandas
Caladas trevas testemunhas sejam;
Seja ministro o Amor, e a terra templo
Pois que o templo do Eterno é toda a terra.
Entrega-te depois aos teus transportes,
Os oppressos desejos desafoga.
Mata o pejo importuno: incita, incita
O que, só, de prazer merece o nome.
Verás como, envolvendo-se as vontades,
Gostos eguaes se dão, e se recebem:
Do jubilo ha de a força amortecer-te,
Do jubilo ha de a força aviventar-te.
Sentirás suspirar, morrer o amante,
Com os seus confundir os teus suspiros,
Has de morrer, e de reviver com elle.
De tão alta ventura, ah! não te prives,
Ah! não prives, insana, a quem te adora.”
Eis o que has de escutar, oh doce amada,
Se á voz do coração não fôres surda.
De tuas perfeições enfeitiçado
Ás preces que te envia, eu uno as minhas.
Ah! Faze-me ditoso, e sê ditosa.
Amar é um dever, além de um gosto,
Uma necessidade, não um crime,
Qual a impostura horrisona apregôa.
Ceus não existem, não existe inferno,
O premio da virtude é a virtude,
É castigo do vicio o proprio vicio.
Manuel Maria Barbosa du Bocage - (Domínio público) -
http://atelier.hannover2000.mct.pt/~pr349/epistola.html
sexta-feira, 23 de outubro de 2009
Epístola a Marília
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