sábado, 24 de setembro de 2011

Contra o feminismo


"Em nenhuma época o sexo fraco foi tratado com tanto respeito pelos homens como na nossa - o que é parte da tendência democrática e seu gosto básico, do mesmo modo que a falta de reverência pela velhice -: como admirar que logo se abuse desse respeito? Querem mais, aprendem a exigir, por fim acham quase ofensivo esse tributo de respeito, preferiam a competição por direitos, até mesmo a luta: em suma, a mulher perde o pudor. Acrescentemos logo que também perde o gosto. Desaprende a temer o homem: mas a mulher que "desaprende o temor" abandona seus instintos mais femininos. Que a mulher ouse avançar quando já não se quer nem se cultiva o que há de amedrontador no homem, mais precisamente o homem no homem, é algo de se esperar e também de compreender; o que dificilmente se compreende é que por isso mesmo a mulher - degenera. Isso acontece hoje: não nos enganemos! Em toda parte onde o espírito industrial venceu o espírito militar e aristocrático, a mulher aspira à independência econômica e legal de um caixeiro: "a mulher como caixeira" - está escrito no portal da sociedade moderna que se forma. Apoderando-se de tal maneira de novos direitos, buscando tornar-se "senhor" e inscrevendo o "progresso- feminino em suas bandeiras e bandeirolas, ela vê realizar-se o contrário, com terrível nitidez: a mulher está em regressão. Desde a Revolução Francesa a influência da mulher na Europa diminuiu, na proporção em que aumentaram seus direitos e exigências; e a "emancipação da mulher", na medida em que é reivindicada e promovida pelas próprias mulheres (e não só por homens de cabeça oca) resulta num sintoma curioso de progressivo enfraquecimento e embotamento dos instintos mais femininos. Há estupidez nesse movimento, uma quase masculina estupidez, da qual uma mulher bem lograda - que é sempre uma mulher sagaz - se envergonharia gravemente. Perder a intuição do terreno onde a vitória é mais segura; descuidar o exercício de sua verdadeira arma; pôr-se a anteceder o homem, chegando talvez "até o livro", quando antes praticava a reserva e uma sutil, astuta submissão; combater, com virtuosa audácia, a crença do homem num ideal radicalmente outro escondido na mulher, num eterno - e necessário - feminino; tentar dissuadir o homem, com insistência e parolice, de que a mulher deve ser cuidada, mantida, protegida, poupada como um animal doméstico bem delicado, curiosamente selvagem e freqüentemente agradável; a procura canhestra e indignada de tudo o que há de escravo e servil na posição da mulher na presente ordem social (como se a escravidão fosse um contra-argumento, e não uma condição de toda cultura elevada, de toda elevação da cultura) - que significa tudo isso, senão uma desagregação dos instintos femininos, uma desfeminização? Certamente não faltam idiotas amigos das senhoras e corruptores da mulher entre os doutos jumentos masculinos, que aconselham a mulher a se desfeminizar dessa maneira e imitar as estupidezes de que sofre o "homem" da Europa, a "masculinidade" européia - que gostariam de rebaixar a mulher á "educação geral" e mesmo à leitura de jornais e à política. Pensa-se inclusive, aqui e ali, em fazer das mulheres livres-pensadores e literatos: como se uma mulher sem religião não fosse, para um homem profundo e ateu, algo totalmente repugnante ou ridículo -: em quase toda parte arruinam os nervos delas com a mais doentia e perigosa espécie de música (nossa mais recente música alemã) e as tornam a cada dia mais histéricas e mais incapacitadas para sua primeira e última ocupação, que é gerar filhos robustos. Querem "cultivá-las" ainda mais e, como dizem, através da cultura tornar forte o "sexo fraco": como se a história não ensinasse, do modo mais premente, que o "cultivo" do ser humano e o enfraquecimento - isto é, enfraquecimento, fragmentação adoecimento da força de vontade - sempre andam juntos, e que as mais poderosas e influentes mulheres do mundo (por último a mãe de Napoleão) deveram seu poder e autoridade junto aos homens à sua força de vontade - e não aos professores! O que na mulher inspira respeito e com freqüência temor é sua natureza, que é "mais natural" que a do homem, sua autêntica astuciosa agilidade ferina, sua garra de tigre por baixo da luva, sua inocência no egoísmo, sua ineducabilidade e selvageria interior, o caráter inapreensível, vasto, errante de seus desejos e virtudes... O que, com todo o temor, desperta compaixão por esse belo e perigoso felino "mulher", é o fato de ela parecer mais sofredora, mais frágil, mais necessitada de amor e condenada à desilusão que qualquer outro animal. Temor e compaixão: Com estes sentimentos o homem colocou-se até agora diante da mulher, sempre com um pé na tragédia, que dilacera ao encantar. - Como? E isso estaria acabando? O desencantamento da mulher está em marcha? Estará surgindo o entediamento da mulher?"

(Para além do Bem e do Mal, Cia das Letras, 2001, nº 239, pág. 145)

quinta-feira, 7 de julho de 2011

"É necessário abrir os olhos e perceber que as coisas boas estão dentro de nós, onde os sentimentos não precisam de motivos nem os desejos de razão. O importante é aproveitar o momento e aprender sua duração, pois a vida está nos olhos de quem sabe ver".


Gabriel Garcia Márquez

quinta-feira, 23 de junho de 2011

O lado sub de Shakespeare

Soneto LVII

Sendo teu escravo, o que fazer senão atender
Às horas e aos chamados de teu desejo?
Não tenho tempo algum para mim,
Nem serviços a fazer, até que me peças.

Nem ouso repreender a hora do mundo sem fim,
Enquanto eu, minha soberana, sigo tuas horas,
Nem penso que a solidão da ausência seja amarga,
Após dispensar teu servo de teu serviço;

Nem ouso questionar com meus ciúmes
Onde andarás, ou imaginar o que fazes,
Mas, como um triste escravo, sento-me e não penso,

Salvo, onde estás e quão feliz fazes a todos:
Então, que tolo é o amor, que, sob teu jugo
(Embora nada faças), nenhum mal o assombre.


Soneto LVIII

Que Deus me perdoe, por me tornar teu escravo,
Que eu deva pensar em velar tuas horas de prazer,
Ou para ti contar os momentos de ansiedade,
Sendo teu vassalo disposto a estar à tua mercê.

Ó deixa-me sofrer, sob tua vista,
A ausência aprisionada de tua liberdade,
E domada pela paciência para sofrer a cada vez
Sem te acusar de me injuriares.

Estejas onde estiveres, teu jugo é tão forte,
Que podes privilegiar teu tempo
Para o que quiseres; a ti somente cabe

Perdoar-te por teus próprios crimes.
Devo esperar, embora esperar seja o inferno,
Sem culpar teu prazer, seja ele o mal ou o bem.
Willian Shakespeare, Sonetos (1609)

terça-feira, 11 de janeiro de 2011

Filosofar

"Viver sem filosofar é o que se chama ter os olhos fechados sem nunca os haver tentado abrir".

A razão, por Leibniz

Entendo por razão, não a faculdade de raciocinar, que pode ser bem ou mal utilizada, mas o encadeamento das verdades que só pode produzir verdades, e uma verdade não pode ser contrária a outra.

Mistério...

A mais bela e profunda experiência é a sensação do mistério. Ela é semeadora de toda verdadeira ciência. O homem para quem essa emoção é estranha, que não mais pode se maravilhar e se sentir arrebatado de admiração,está praticamente morto.