sexta-feira, 31 de agosto de 2007

Sadomasoquismo e romantismo, a capacidade mágica de erotizar o planeta.









Sabemos que a sexualidade humana é humana na medida em que nos afasta da função da reprodução, identificamos o prazer sexual com este afastamento, quanto menos animal mais prazer. Um tipo de afastamento que a sexualidade humana opera da procriação nos interessa particularmente: A capacidade de erotizar o planeta.

Só os humanos podemos fazer isto, e apenas dois estilos de erotismo o fazem de maneira sistemática e consciente: o Romantismo e o Sadomasoquismo.

Senão, vejamos.

Quando o romântico recolhe no alto do morro uma flor para sua amada, empresta, àquela flor o poder de falar por seu amor. Quando a amada leva a flor consigo, a deposita dentro de um livro de cabeceira, olha lânguida para ela antes de dormir, imantou a flor com o seu amor, com o seu amado; ou ainda, recebeu e aceitou a simbologia que o amado inventou. O casal foi capaz de extravasar seu amor, seus desejos, seu erotismo para o resto do planeta, para os objetos, para qualquer objeto, roupas, presente de todos os tipos, o guardanapo do restaurante onde ele/a me disse.....tudo está a disposição e é utilizado para representar, expandir, re-significar o amor e o desejo do casal.

Ao contrario do romantismo, no sadomasoquismo o uso de objetos variados é portador de um certo preconceito, principalmente pela falta de conhecimento de sua função, diga-se de passagem que por vezes o preconceito assalta inclusive aos praticantes do bdsm.

Mas o que ocorre aqui é exatamente a mesma coisa que ocorre com o romantismo. Ao penetrar sua parceira com um objeto comprado em um sex-shop (eu particularmente prefiro adquirir estes brinquedinhos no supermercado da esquina), ao comprar e utilizar um chicotinho, ao utilizar lenços e ou cordas e ou fios para amarrar o parceiro. Vis a vis à pratica de ser amarrada/o, de apanhar com chicote ou palmatória, de ser penetrada por um socador de caipirinha. Ambos, senhor/a e escrava/o estão erotizando o planeta à sua volta, seus afetos, seus desejos, seu tezão agora se espalham pelos objetos da cena, da casa, do planeta. Uma/um boa/m escrava/o se excita ao entrar no supermercado onde buscou brinquedinhos com seu/sua dono/ a . Um senhor/a idem. Os amantes trocam olhares lascivos ao enxergar um destes objetos quando estão andando pela rua.

Se isto não é visto assim, é graças à duas confusões teóricas encontradiças nas ciências humanas; na psicologia e na economia.

Na psicologia se desenvolveu a noção de fetiche, advinda da psicanálise. Ocorre que este conceito quer dizer a substituição do objeto erótico pelo objeto, digamos, inanimado. Se eu gosto de calcinhas de mulher ao invés da mulher mesma, então estou fetichizando (a palavra vem de feitiço, ou seja imantar as coisas das propriedades que elas não tem). Vai daí que se confundiu a propriedade humana de humanizar o mundo, com a patologia de substituir o mundo humano pelo mundo das coisas. A economia política, com Marx, importou a mesma noção para denunciar a alienação da mercadoria, onde os homens passam a idolatrar os bens, outra vez, no lugar das pessoas.

Com isto, infelizmente, perdemos a possibilidade de admirar este feito maravilhoso da consciência humana, a capacidade de abranger o mundo com nossos sentimentos, de emprestar às coisas o nosso modo de ver e de sentir. Por isto o romântico é ridicularizado e o sado-masoquista execrado quando usa objetos para demonstrar, simbolizar, mimetizar o seu amor, o seu desejo, o seu tesão. Mas se a consciência execra a pratica, o corpo a sacramente, as glândulas reagem, os mamilos apontam quando uma mulher romântica enxerga uma flor ressecada, ou quando uma escrava acaricia um chicote.

Eis uma das boas razões pelas quais romantismo e sadomasoquismo são modos tão intensos de amar, tão apaixonantes, tão radicais: Ambos tem a propriedade de vestir o planeta com o seu amor, de colocar o mundo a serviço de seus sentimentos, de exercer com plenitude o que os humanos temos de mais humano.


texto original by http://sadico.zip.net/

Eu mando, você obedece. Simples não?
























Um é o senhor, manda, bate, humilha, tortura; e gosta disto tudo. O outro a escrava, obedece, apanha, se humilha, é torturado; também gosta disto tudo. Pronto, eis o esqueminha sadomasoquista pronto para uso (pret-a-porter). Nada mais tolo, mais ingênuo, mais perigoso do que imaginar que exista alguma coisa assim.
Senão vejamos.
A relação deve ser consensual, sabemos todos, senão se transforma em mera violência, em agressão. Isto quer dizer que o dominado deve querer e concordar e gostar do castigo que recebe, tanto quanto o dominador gosta, não é incomum, inclusive, que o dominado peça modos e maneiras de apanhar. Mas aqui está algo interessante: Se a escrava ou o escravo sente e diz –Por favor, me bata, e se gosta, goza com isto; então é o dominado que está dominando o dominador? Sim, o senhor está fazendo exatamente o que o escravo quer!
O uso da força bruta, um revolver na cabeça de uma mulher e uma ordem: Chupa! Por exemplo, estabeleceria uma relação de dominação, de poder, de violência. Mas tal coisa é e deve ser abominada e abominável pelos praticantes do sm. O que queremos é o desejo mútuo, a vontade mutua, a cumplicidade. Ora, em sendo assim a relação senhor/escravo obedece a uma dialética que não tem nada de singela: O senhor domina a escrava que domina o senhor por ser dominada por ele, a escrava é dominada do modo como deseja, portanto é o senhor que se subordina às suas vontades. Subordinar-se pelo próprio desejo é um ato de soberania, talvez o maior que a consciência humana possa conhecer. Dominar porque o desejo alheio assim o deseja é ato de generosidade, de contrição.
Punir a uma escrava é uma metáfora pueril. Bater nela? Mas é isto que ela quer! Isto promove a pratica, o jogo erótico entre alguns praticantes do sm do tipo: Eu finjo que errei, ele finge que se irrita, me castiga e nós dois gozamos. Na minha experiência com minhas escravas, cheguei à conclusão que a única maneira de puni-las é não bater. Com isto sim, ficam tristes e procuram não errar mais.
Mas e então? Se desapareceu a aparente polarização entre o ‘eu bato e você apanha’, o que resta? Se não é a diferença de poder o que caracteriza o sadomasoquismo, o que é então?
Está em algo mais profundo, mais essencial do que o teatrinho. Está na orientação do desejo. Alias é sempre ali que está a definição de qualquer sexualidade. O homossexual é quem deseja ao mesmo sexo, seu desejo é orientado para o semelhante (para si mesmo diria Freud).
O sádico deseja o outro, o masoquista deseja o desejo do outro. Eis o que realmente ocorre nesta relação. Você será minha, será a satisfação de todos os meus quereres, quando te bato, o faço para te mostrar que o teu corpo me pertence, que teus gritos partem do meu tesão, quando te amarro, o faço para que saibas que o s teus movimentos são meus. Quando me ajoelho perante tuas vontades, é porque desejo que você me deseje, quero que me queiras, quando te obedeço quero que me queiras.
Você deseja alguém? Quer a ela para si? Então você é sádico. Se gosta de spanking, pissing, etc, é um detalhe que o teu escravo vai resolver. Você quer ser desejada/o? Então você é masoquista. Fique à espreita, procure adivinhar o que teu dono quer, e faça! Saiba desejar o desejo dele, para ser desejada por ele.
O resto são bobagens infantis, coisas para a sala de Chat da Internet. Na vida real, existe o amor. Queremos o amor, perseguimos o amor. Alguns querem o amor entre iguais, outros preferem o amor entre diferentes: Estes são Sadomasoquistas.

O que é Sadomasoquismo?






















No final do século XIX, inicio do século XX, pensávamos que o sadomasoquismo fosse uma perversão, um desvio da sexualidade, produto e produtor de transtornos psicológicos/psiquiátricos. Até que Freud, com seus estudos sobre a sexualidade humana, veio a nos ensinar: Toda sexualidade humana é pervertida, ou melhor, a diferença entre a sexualidade humana e a sexualidade animal é que a nossa é pervertida.
Declinemos com cuidado a afirmação acima, para isto será obrigatório perguntar sobre o que é perversão, e depois, o que é normalidade e por ultimo discutir um pouco sobre a sexualidade humana.
Perversão é ‘um desvio de comportamento e das práticas sexuais normais’. Está claro aqui que o normal não pode ser o mais freqüente, o conceito de normal para a estatística, se assim fosse, a ausência de orgasmo na mulher até a alguns anos atrás seria normal, já que elas eram ensinadas a não ter prazer, hoje, não conheço as estatísticas, mas não me estranharia encontrar a ausência de felicidade erótica/sexual na maioria dos terráqueos. Não se pode imaginar que estamos falando do normal estatístico, portanto, até porque, se verá a seguir, a perversão é o normal neste sentido.
Então, o que quer dizer ‘normal’? Quando se fala em desvio sexual, está se utilizando uma definição funcional de normalidade, no sentido, por exemplo, de um braço e uma perna que nasceu ‘anormal’, ou seja, uma mão que não tem os dedos, um pé que não se sustenta, não serve à função que deveria servir, para a qual existe.
Para que a sexualidade existe? Para que a nossa espécie não se extinga, para a reprodução. Sexo anormal é o sexo que se afasta da procriação. Adotemos por ora esta definição, cônscios do seu caráter biologicista. Por ela, somos forçados pela evidencia a reconhecer que toda a sexualidade humana se afasta da normalidade, ou seja, é perversa.
Afinal, se estivéssemos falando de procriação, pensando no exagero de 5 filhos por casal, ou por mulher já que é ela que pare os filhotes, e pensando que a cada 5 vezes que a copula ocorrer se terá uma boa probabilidade em media de engravidar-se, então faríamos algo como 20 ou 25 vezes sexo durante a nossa vida (!), no entanto, nos desenvolvemos enquanto sociedade no sentido de tornar o sexo livre da procriação, através de todos os métodos anticoncepcionais, ou seja, tornar o sexo livre de sua função biológica, ‘anti-natural’ poder-se-ia dizer.
No plano do ato sexual estrito senso, tudo fazemos para que ele se afaste mais e mais da procriação, e consideramos o sexo satisfatório quando e somente quando se torna independente da procriação, nas preliminares (quando não como a própria finalidade dos gestos) nos utilizamos de sexo oral, colocar o sexo do parceiro na boca, caricias quanto mais longas melhor, iludimos o tempo para retardar o derramamento do esperma do macho no útero da fêmea, exatamente o que a biologia está a pedir. Flores, consolos, conversas a meia luz, jantares regados a vinho. Consideramos o sexo bom quando ele se afasta do biológico. Quanto mais perverso melhor. Passeie um minuto pelas fantasias humanas, e verá que tem apenas uma função: Divorciar o sexo da procriação, torna-lo cada vez mais perverso.
Avalie a qualidade da relação sexual, em qualquer parâmetro, sob qualquer ótica. O sexo será considerado prazeroso quando, e somente quando, se afastar da procriação. O prazer que temos na sexualidade é o de expulsar o animal que carregamos dentro de nós. Por vezes uma mulher muito excitada gosta de se considerar uma ‘cadela’, nada mais longe da verdade, uma cadela não chupa seu macho, não permite que lhe penetre o rabo, não retarda o gozo até que ele exploda, humana, isto sim, estou tão tesuda quanto uma mulher, é o que devera ser dito por aquela mulher, ao contrario, estou tão frigida como uma cadela.
Neste sentido, como se viu, a nossa infinita capacidade de perverter o sexo aparece com toda a sua força, passa a ser sinônimo de humanidade: O quão humano a tua sexualidade é? Depende do quanto é capaz de ser perversa.
Agora é possível perceber: e o sadomasoquismo? Tão perverso quanto qualquer outro estilo, mesmo que seja o papai/mamãe. Mas com uma diferença: Não mente. O sadomasoquismo é um estilo de sexualidade que sabe da perversidade do humano e assume. O sadomasoquismo, ao contrario de tantos outros estilos, é uma sexualidade honesta.

Carta a uma possivel escrava.








Deixe-me externar algumas preocupações:
1 - Adoro a Internet, sem ela, pessoas como eu e você poderíamos morrer sem encontrar nossos pares, nossos parceiros. No entanto, exatamente a sua eficiência enquanto mídia (a capacidade de reunir todos com todos, a capacidade de transformar cada qual em um autor) a torna o veiculo mais fetichisado que eu tenho noticia, perto dela, até a rede globo parece santa.
Por dentro da internet, o bdsm parece um joguinho de gato e rato com
regrinhas definidas, as conversas seguem a mesma ladainha; 'o que eu gosto', 'quais os meus limites', 'o que voce gosta', perfilam-se ali alguns instrumentos, 'chicote?', 'velas?' e pronto, eis a cena montada, quem bate e quem apanha cada qual em seu lugar, comecemos todos a gozar, até que a vida nos separe.
Pois bem, o bdsm é uma relação afetiva, tão complicada, tão labiríntica, tão contraditória, quanto qualquer outra, com uma diferença ainda: É a única, com excessão do amor romântico, onde é possível viver o amor com toda a sua intensidade.
Até porque nada mais parecido do que o amor romântico e o -masoquismo.
Sob o ponto de vista de um sádico, as coisas são ainda mais claras; como bater em alguém que não se ama? Seria crueldade apenas, sem prazer para ninguém se isto ocorresse. Como caminhar na franja estreita da conjunção entre a dor e o prazer, entre o consenso e a obediência sem o conhecimento profundo do outro que só o amor permite? Se a menina do artigo tem razão, a escrava precisa amar o seu senhor, o avesso é tanto quanto, o senhor precisa amar sua escrava.
Vai dai que as coisas ficam mais complexas, mais intrincadas, e mais belas.
Vai dai que um passeio em um supermercado entre os dois amantes é portador de tanto gozo e carinho que não cabe no mundo. Porque o SM, menina, é capaz de erotizar o mundo. Só ele é capaz desfazer isto. Isto tudo, se constrói com tempo, com paciência, com cuidado, muito cuidado: se algum dia eu vier a te escravizar, será porque te amo, nem um minuto antes.
- É apenas o começo da festa, se soubermos caminhar, sem correr e sem
parar, a aridez do percurso pode ser tão divertida quanto o oásis da chegada.
PODEMOS CONVERSAR, SE VOCÊ CONCORDAR COM ESTES PRINCÍPIOS......

Só o Que Você Merece























O estalo do chicote em suas nádegas ecoa no vazio,
no vazio de sua alma, totalmente entregue a meus desejos.
Chicoteio seu corpo sujo pelos pecados do seu cio
E trago à tona a impureza do seu sangue vermelho.

Ao castigar seu corpo livro de seus erros a sua alma,
Faço você mais perfeita como espelho dos meus dons.
A dor que causo em você lhe traz êxtase, dedicação e calma,
Purificando seu corpo do mal amordaçado e sem som.

Você me agradece a dor por sentir-se pura e amiga,
Sabendo, em sua mente, que meu mal só lhe traz justiça.
Você me ama por eu saber tratá-la como rapariga,
cadela, prostituta, minha insubstituível submissa.

Quando anseia por carinho meu mastro rasga-a sem piedade,
Quando o frio atinge seus ossos, minha urina a aquece.
Permito que me olhe e enxergue a fria verdade,
Você precisa sofrer muito pra mostrar que me merece.

Mas é em meus braços que seu corpo dolorido encontra a paz,
É em minha voz que sua mente redescobre que me pertence.
É o seu desejo de sofrer por meu prazer mais intenso que faz
Você acreditar valer algo e poder sentir-se gente.

SeuDonoeSenhor
SDS

quinta-feira, 30 de agosto de 2007

Hino à Beleza












Vens tu do céu profundo ou sais do precipício,
Beleza? Teu olhar, divino mas daninho,
Confusamente verte o bem e o malefício,
E pode-se por isso comparar-te ao vinho.

Em teus olhos refletes toda a luz diuturna;
Lanças perfumes como a noite tempestuosa;
Teus beijos são um filtro e tua boca uma urna
Que torna o herói covarde e a criança corajosa.

Provéns do negro abismo ou da esfera infinita?
Como um cão te acompanha a Fortuna encantada;
Semeias ao acaso a alegria e a desdita
E altiva segues sem jamais responder nada.

Calcando mortos vais, Beleza, a escarnecê-los;
Em teu escrínio o Horror é a jóia que cintila,
E o Crime, esse berloque que te aguça os zelos,
Sobre teu ventre em amorosa dança oscila.

A mariposa voa ao teu encontro, ó vela,
Freme, inflama-se e diz: "Ó clarão abençoado!"
O arfante namorado aos pés de sua bela
Recorda um moribundo ao túmulo abraçado.

Que venhas lá do céu ou do inferno, que importa,
Beleza! Ó monstro ingênuo, gigantesco e horrendo!
Se teu olhar, teu riso, teus pés me abrem a porta
De um infinito que amo e que jamais desvendo?

De Satã ou de Deus, que importa? Anjo ou Sereia,
Que importa, se é quem fazes - fada de olhos suaves,
Ó rainha de luz, perfume e ritmo cheia! -
Mais humano o universo e as horas menos graves?

Charles Baudelaire

Arte de amar

















Se queres sentir a felicidade de amar, esquece a tua alma.
A alma é que estraga o amor.
Só em Deus ela pode encontrar satisfação.
Não noutra alma.
Só em Deus – ou fora do mundo.
As almas são incomunicáveis.
Deixa o teu corpo entender-se com outro corpo.
Porque os corpos se entendem, mas as almas não.

Manuel Bandeira

Amor, pois que é palavra essencial








Amor – pois que é palavra essencial
comece esta canção e toda a envolva.
Amor guie o meu verso, e enquanto o guia,
reúna alma e desejo, membro e vulva.

Quem ousará dizer que ele é só alma?
Quem não sente no corpo a alma expandir-se
até desabrochar em puro grito
de orgasmo, num instante de infinito?

O corpo noutro corpo entrelaçado,
fundido, dissolvido, volta à origem
dos seres, que Platão viu completados:
é um, perfeito em dois; são dois em um.

Integração na cama ou já no cosmo?
Onde termina o quarto e chega aos astros?
Que força em nossos flancos nos transporta
a essa extrema região, etérea, eterna?

Ao delicioso toque do clitóris,
já tudo se transforma, num relâmpago.
Em pequenino ponto desse corpo,
a fonte, o fogo, o mel se concentraram.

Vai a penetração rompendo nuvens
e devassando sóis tão fulgurantes
que nunca a vista humana os suportara,
mas, varado de luz, o coito segue.

E prossegue e se espraia de tal sorte
que, além de nós, além da prórpia vida,
como ativa abstração que se faz carne,
a idéia de gozar está gozando.

E num sofrer de gozo entre palavras,
menos que isto, sons, arquejos, ais,
um só espasmo em nós atinge o climax:
é quando o amor morre de amor, divino.

Quantas vezes morremos um no outro,
no úmido subterrâneo da vagina,
nessa morte mais suave do que o sono:
a pausa dos sentidos, satisfeita.

Então a paz se instaura. A paz dos deuses,
estendidos na cama, qual estátuas
vestidas de suor, agradecendo
o que a um deus acrescenta o amor terrestre.

Carlos Drummond de Andrade

Mude









Mas comece devagar,
porque a direção é mais importante
que a velocidade.
Sente-se em outra cadeira,
no outro lado da mesa.
Mais tarde, mude de mesa.
Quando sair,
procure andar pelo outro lado da rua.
Depois, mude de caminho,
ande por outras ruas,
calmamente,
observando com atenção
os lugares por onde
você passa.
Tome outros ônibus.
Mude por uns tempos o estilo das roupas.
Dê os teus sapatos velhos.
Procure andar descalço alguns dias.
Tire uma tarde inteira
para passear livremente na praia,
ou no parque,
e ouvir o canto dos passarinhos.
Veja o mundo de outras perspectivas.
Abra e feche as gavetas
e portas com a mão esquerda.
Durma no outro lado da cama.
Depois, procure dormir em outras camas.
Assista a outros programas de tv,
compre outros jornais,
leia outros livros,
Viva outros romances!
Não faça do hábito um estilo de vida.
Ame a novidade.
Durma mais tarde.
Durma mais cedo.
Aprenda uma palavra nova por dia
numa outra língua.
Corrija a postura.
Coma um pouco menos,
escolha comidas diferentes,
novos temperos, novas cores,
novas delícias.
Tente o novo todo dia.
o novo lado,
o novo método,
o novo sabor,
o novo jeito,
o novo prazer,
o novo amor.
a nova vida.
Tente.
Busque novos amigos.
Tente novos amores.
Faça novas relações.
Almoce em outros locais,
vá a outros restaurantes,
tome outro tipo de bebida
compre pão em outra padaria.
Almoce mais cedo,
jante mais tarde ou vice-versa.
Escolha outro mercado,
outra marca de sabonete,
outro creme dental.
Tome banho em novos horários.
Use canetas de outras cores.
Vá passear em outros lugares.
Ame muito,
cada vez mais,
de modos diferentes.
Troque de bolsa,
de carteira,
de malas.
Troque de carro.
Compre novos óculos,
escreva outras poesias.
Jogue os velhos relógios,
quebre delicadamente
esses horrorosos despertadores.
Abra conta em outro banco.
Vá a outros cinemas,
outros cabeleireiros,
outros teatros,
visite novos museus.
Mude.
Lembre-se de que a Vida é uma só.
Arrume um outro emprego,
uma nova ocupação,
um trabalho mais light,
mais prazeroso,
mais digno,
mais humano.

Se você não encontrar razões para ser livre,
invente-as.

Seja criativo.
E aproveite para fazer uma viagem despretensiosa,
longa, se possível sem destino.
Experimente coisas novas.
Troque novamente.
Mude, de novo.
Experimente outra vez.
Você certamente conhecerá coisas melhores
e coisas piores,
mas não é isso o que importa.
O mais importante é a mudança,
o movimento,
o dinamismo,
a energia.
Só o que está morto não muda!

Edson Marques

quarta-feira, 29 de agosto de 2007

Fanatismo








Minh'alma de sonhar-te, anda perdida
Meus olhos andam cegos de te ver
Não és sequer a razão do meu viver
Posto que és já toda a minha vida

Não vejo nada assim, enlouquecida
Passo no mundo meu amor a ler
No misterioso livro do teu ser
A mesma história, tantas vezes lida

Tudo no mundo é frágil, tudo passa
Quando me dizem isto, toda a graça
De uma boca divina, cala em mim
E olhos postos em ti, digo de rastros

Podem voar mundos, morrer astros
Que tu és como um Deus, principio e fim

Florbela Espanca

Aprendi










Aprendi o silêncio com os faladores, a tolerância com os intolerantes, a bondade com os maldosos; e, por estranho que pareça, sou grato a esses professores.

Gibran Kalil Gibran

submissão





Só é durável a submissão voluntária.

Nicolau Maquiavel

terça-feira, 28 de agosto de 2007

O Tempo...








Para sempre é muito tempo. O tempo não pára! Só a saudade é que faz as coisas pararem no tempo...

Mário Quintana

sábado, 25 de agosto de 2007

Ausência























Eu deixarei que morra em mim o desejo de amar seus olhos que são doces...
Porque nada te poderei dar senão a mágoa de me veres exausto...
No entanto a tua presença é qualquer coisa, como a luz e a vida...
E eu sinto que em meu gesto existe o teu gesto...
E em minha voz, a tua voz...
Não te quero ter, pois em meu ser tudo estaria terminado...
Quero só que surjas em mim como a fé nos desesperados...
Para que eu possa levar uma gota de orvalho nesta terra amaldiçoada...
Que ficou em minha carne como uma nódoa do passado...
Eu deixarei...Tu irás e encostarás tua face em outra face...
Teus dedos enlaçarão outros dedos e tu desabrocharás para a madrugada...
Mas tu não saberás que quem te colheu fui eu...
porque eu fui o grande íntimo da noite...
Porque eu encostei minha face na face da noite e ouvi a tua fala amorosa...
Porque os meus dedos enlaçaram os dedos da névoa suspensos no espaço
E eu trouxe até mim a misteriosa essência do teu abandono desordenado.
E eu ficarei só como os veleiros nos portos silenciosos
Mas eu te possuirei mais que ninguém, porque poderei partir.
E todas as lamentações do mar, do vento, do céu, das aves, das estrelas,
serão a tua voz presente, tua voz ausente, a tua voz serenizada.

Vinicius de Moraes

A nesessidade da dor

Todos nós necessitamos sofrer certo número de preocupações, de penas e misérias, da mesma maneira que um barco tem necessidade de lastro para conservar seu equilíbrio.

Se assim não fosse, se súbito nos libertássemos do peso da dor e das contrariedades,o orgulho do homem o faria em bocados ou pelo menos ele seria levado às maiores irregularidades e até à loucura furiosa, do mesmo modo que o nosso corpo rebentaria se repentinamente deixasse de sentir a pressão atmosférica.

O quinhão de quase todos os homens durante sua vida resume-se em pesares, trabalho e miséria, porém, se todas as aspirações humanas se realizassem, como que se preencheria o tempo? O que preencheria sua vida?

Se os homens vivessem no país das fadas, onde nada exigisse esforço e onde as perdizes voassem já assadas e recheadas ao alcance da mão, num país, onde cada um pudesse obter a sua amada sem dificuldade alguma, eles morreriam de tédio ou se enforcariam, outros despedaçar-se-iam entre si, causando-se maiores males que os impostos pela natureza.

E isto demonstra que para nós não há melhor cenário que aquele que ocupamos, nem melhor existência do que a atual.

Se pensamos (e só é possível ter-se uma ideia aproximada) na dor, nos tormentos de todas as espécies que o sol ilumina no seu curso, sentimo-nos propensos a desejar que a sua luz perca o poder criador da vida, como acontece com a Lua, e que a superfície do nosso planeta se faça tão gelada e estéril como a do astro da noite.

Arthur Schopenhauer

Sobre a Dor








...A vossa dor é o quebrar da concha que envolve a vossa compreensão.
Assim como o caroço da fruta tem de fender-se para que o seu coração fique exposto ao sol, também vós deveis conhecer a dor.
E se conseguisseis maravilhar-vos com os milagres diários da vossa vida, a vossa dor não vos pareceria menos intensa do que a vossa alegria;
E aceitarieis as estações do vosso coração, tal como haveis aceito as estações que passam sobre o vossos campos.
E passarieis com serenidade os invernos das vossas mágoas. Muita da vossa dor é escolhida por vós.
É a poção amarga com a qual o médico dentro de vós cura o vosso interior doente.
Por isso confiai no médico e bebei o seu remédio em silêncio e tranquilidade:
Pois a sua mão, embora dura e pesada, é guiada pela mão terna do Invisível,
E o cálice que ele vos dá, embora possa queimar os vossos lábios, foi feito com o gesso que o Oleiro humedeceu com as Suas lágrimas sagradas.

Gibran Kalil Gibran

quinta-feira, 16 de agosto de 2007

Esclava mía

Esclava mía, témeme. Ámame.
Esclava mía!
Soy contigo el ocaso más vasto de mi cielo, y en él despunta mi alma como una estrella fría.
Cuando de ti
se alejan vuelven a mí mis pasos.
Mi propio
latigazo cae sobre mi vida. Eres lo que está dentro de mí y está lejano. Huyendo como un coro de nieblas perseguidas.
Junto a mí,
pero dónde? Lejos, lo que está lejos.
Y lo que
estando lejos bajo mis pies camina.
El eco
de la voz más allá del silencio.
Y lo que
en mi alma crece como el musgo en las ruinas.

Pablo Neruda

A cachorrinha

Mas que amor de cachorrinha!

Mas que amor de cachorrinha!

Pode haver coisa no mundo
Mais branca, mais bonitinha
Do que a tua barriguinha
Crivada de mamiquinha?
Pode haver coisa no mundo
Mais travessa, mais tontinha
Que esse amor de cachorrinha
Quando vem fazer festinha
Remexendo a traseirinha?

Uau,uau,uau,uau!
Uau,uau,uau,uau!

Vinicius de Moraes
Composição: Vinicius de Moraes / Antonio Carlos Jobim

A vida é bela???
















Não discuto essa escrecência chamada aborto...simplesmente abomino.

SeuDonoeSenhor
SDS

quarta-feira, 15 de agosto de 2007

A hipocrisia escancarada

- Oh, Céu misericordioso, eis pois os horrores que se permitem tacitamente os que se metem a punir os crimes dos outros! Há bastas razões para dizer que tais infâmias estão reservadas a estes frenéticos e ineptos sequazes da cega Témis que, alimentados por um rigorismo imbecil, insensíveis desde a infância aos gritos do infortúnio, manchados de sangue desde o berço, vituperando tudo e entregando-se a tudo, imaginam que a única maneira de cobrir as suas torpezas secretas e as suas prevaricações públicas é exibir uma rigidez inflexível que, assemelhando-os exteriormente a gansos, a tigres interiormente, nada mais obtém, contudo, manchando-os de crimes, do que iludir os parvos e fazer detestar ao homem prudente, quer os seus odiosos princípios, quer as suas desprezíveis pessoas.

Marquês de Sade - A crueldade fraternal

Hoje

Hoje levantei cedo pensando no que tenho a fazer antes que o relógio marque meia noite. É minha função escolher que tipo de dia vou ter hoje. Posso reclamar porque está chovendo ou agradecer às águas por lavarem a poluição.

Posso ficar triste por não ter dinheiro ou me sentir encorajado para administrar minhas finanças, evitando o desperdício. Posso reclamar sobre minha saúde ou dar graças por estar vivo. Posso me queixar dos meus pais por não terem me dado tudo o que eu queria ou posso ser grato por ter nascido.

Posso reclamar por ter que ir trabalhar ou agradecer por ter trabalho. Posso sentir tédio com o trabalho doméstico ou agradecer a Deus. Posso lamentar decepções com amigos ou me entusiasmar com a possibilidade de fazer novas amizades.

Se as coisas não saíram como planejei posso ficar feliz por ter hoje para recomeçar. O dia está na minha frente esperando para ser o que eu quiser. E aqui estou eu, o escultor que pode dar forma. Tudo depende só de mim.

Charles Chaplin

Submissa


Toque-me
Bata-me
Faça -me de Teu brinquedo
Dê-me o prazer que outros me negariam
Revele minha alma
Rasgue minha carne

Faça-me chorar
Faça-me implorar
Deixe-me gritar Teu nome
Faça-me sangrar e me tome pra Si.

Hino a dor


Dor, saúde dos seres que se fanam,
Riqueza da alma, psíquico tesouro,
Alegria das glândulas do choro
De onde todas as lágrimas emanam..

És suprema! Os meus átomos se ufanam
De pertencer-te, oh! Dor, ancoradouro
Dos desgraçados, sol do cérebro, ouro
De que as próprias desgraças se engalanam!

Sou teu amante! Ardo em teu corpo abstrato.
Com os corpúsculos mágicos do tacto
Prendo a orquestra de chamas que executas…

E, assim, sem convulsão que me alvorece,
Minha maior ventura é estar de posse
De tuas claridades absolutas!


Augusto dos Anjos



Da chegada do amor

Sempre quis um amor

que falasse
que soubesse o que sentisse.

Sempre quis uma amor que elaborasse
Que quando dormisse
ressonasse confiança
no sopro do sono
e trouxesse beijo
no clarão da amanhecice.

Sempre quis um amor
que coubesse no que me disse.

Sempre quis uma meninice
entre menino e senhor
uma cachorrice
onde tanto pudesse a sem-vergonhice
do macho
quanto a sabedoria do sabedor.

Sempre quis um amor cujo
BOM DIA!
morasse na eternidade de encadear os tempos:
passado presente futuro
coisa da mesma embocadura
sabor da mesma golada.

Sempre quis um amor de goleadas
cuja rede complexa
do pano de fundo dos seres
não assustasse.

Sempre quis um amor
que não se incomodasse
quando a poesia da cama me levasse.

Sempre quis uma amor
que não se chateasse
diante das diferenças.

Agora, diante da encomenda
metade de mim rasga afoita
o embrulho
e a outra metade é o
futuro de saber o segredo
que enrola o laço,
é observar
o desenho
do invólucro e compará-lo
com a calma da alma
o seu conteúdo.

Contudo
sempre quis um amor
que me coubesse futuro
e me alternasse em menina e adulto
que ora eu fosse o fácil, o sério
e ora um doce mistério
que ora eu fosse medo-asneira
e ora eu fosse brincadeira
ultra-sonografia do furor,
sempre quis um amor
que sem tensa-corrida-de ocorresse.

Sempre quis um amor
que acontecesse
sem esforço
sem medo da inspiração
por ele acabar.

Sempre quis um amor
de abafar,
(não o caso)
mas cuja demora de ocaso
estivesse imensamente
nas nossas mãos.

Sem senãos.

Sempre quis um amor
com definição de quero
sem o lero-lero da falsa sedução.

Eu sempre disse não
à constituição dos séculos
que diz que o “garantido” amor
é a sua negação.

Sempre quis um amor
que gozasse
e que pouco antes
de chegar a esse céu
se anunciasse.

Sempre quis um amor
que vivesse a felicidade
sem reclamar dela ou disso.

Sempre quis um amor não omisso
e que suas estórias me contasse.

Ah, eu sempre quis uma amor que amasse.


Elisa Lucinda




O Vampiro



Tu que, como uma punhalada,
Entraste em meu coração triste;
Tu que, forte como manada
De demônios, louca surgiste,

Para no espírito humilhado
Encontrar o leito e o ascendente;
- Infame a que eu estou atado
Tal como o forçado à corrente,

Como ao baralho o jogador,
Como à garrafa o borrachão,
Como os vermes a podridão,
- Maldita sejas, como for!

Implorei ao punhal veloz
Que me concedesse a alforria,
Disse após ao veneno atroz
Que me amparasse a covardia.

Ah! pobre! o veneno e o punhal
isseram-me de ar zombeteiro:
"Ninguém te livrará afinal
De teu maldito cativeiro.

Ah! imbecil - de teu retiro
Se te livrássemos um dia,
Teu beijo ressuscitaria
O cadáver de teu vampiro!"

Os olhos dos pobres


Quer saber por que a odeio hoje? Sem dúvida lhe será menos fácil compreendê-lo do que a mim explicá-lo; pois acho que você é o mais belo exemplo da impermeabilidade feminina que se possa encontrar.
Tínhamos passado juntos um longo dia, que a mim me pareceu curto. Tínhamos nos prometido que todos os nossos pensamentos seriam comuns, que nossas almas, daqui por diante, seriam uma só; sonho que nada tem de original, no fim das contas, salvo o fato de que, se os homens o sonharam, nenhum o realizou.
De noite, um pouco cansada, você quis se sentar num café novo na esquina de um bulevar novo, todo sujo ainda de entulho e já mostrando gloriosamente seus esplendores inacabados. O café resplandecia. O próprio gás disseminava ali todo o ardor de uma estréia e iluminava com todas as suas forças as paredes ofuscantes de brancura, as superfícies faiscantes dos espelhos, os ouros das madeiras e cornijas, os pajens de caras rechonchudas puxados por coleiras de cães, as damas rindo para o falcão em suas mãos, as ninfas e deusas portando frutos na cabeça, os patês e a caça, as Hebes e os Ganimedes estendendo a pequena ânfora de bavarezas, o obelisco bicolor dos sorvetes matizados; toda a história e toda a mitologia a serviço da comilança.
Plantado diante de nós, na calçada, um bravo homem dos seus quarenta anos, de rosto cansado, barba grisalha, trazia pela mão um menino e no outro braço um pequeno ser ainda muito frágil para andar. Ele desempenhava o ofício de empregada e levava as crianças para tomarem o ar da tarde. Todos em farrapos. Estes três rostos eram extraordinariamente sérios e os seis olhos contemplavam fixamente o novo café com idêntica admiração, mas diversamente nuançada pela idade.
Os olhos do pai diziam: “Como é bonito! Como é bonito! Parece que todo o ouro do pobre mundo veio parar nessas paredes.” Os olhos do menino: “Como é bonito, como é bonito, mas é uma casa onde só entra gente que não é como nós.” Quanto aos olhos do menor, estavam fascinados demais para exprimir outra coisa que não uma alegria estúpida e profunda.
Dizem os cancionistas que o prazer torna a alma boa e amolece o coração. Não somente essa família de olhos me enternecia, mas ainda me sentia um tanto envergonhado de nossas garrafas e copos, maiores que nossa sede. Voltei os olhos para os seus, querido amor, para ler neles meu pensamento; mergulhava em seus olhos tão belos e tão estranhamente doces, nos seus olhos verdes habitados pelo Capricho e inspirados pela Lua, quando você me disse: “Essa gente é insuportável, com seus olhos abertos como portas de cocheira! Não poderia pedir ao maître para os tirar daqui?”
Como é difícil nos entendermos, querido anjo, e o quanto o pensamento é incomunicável, mesmo entre pessoas que se amam!

Charles Baudelaire escreveu este conto em 1869…Quanto tempo mais passaremos pela mesma situação???



terça-feira, 14 de agosto de 2007

O Albatroz



Às vezes, por prazer, os homens de equipagem
Pegam um albatoz, enorme ave marinha,
Que segue, companheiro indolente de viagem,
O navio que sobre os abismos caminha.

Mal o põem no convés por sobre as pranchas rasas,
Esse senhor do azul, sem jeito e envergonhado,
Deixa doridamente as grandes e alvas asas
Como remos cair e arrastar-se a seu lado.

Que sem graça é o viajor alado sem seu nimbo!
Ave tão bela, como está cômica e feia!
Um o irrita chegando ao seu bico em cachimbo,
Outro põe-se a imitar o enfermo que coxeia!

O poeta é semelhante ao príncipe da altura
Que busca a tempestade e ri da flecha no ar;
Exilado no chão, em meio à corja impura,
A asa de gigante impedem-no de andar.

Charles Baudelaire






quinta-feira, 9 de agosto de 2007

Uma carniça

Lembra-te, meu amor, do objeto que encontramos
Numa bela manhã radiante:
Na curva de um atalho, entre calhaus e ramos,
Uma carniça repugnante.

As pernas para cima, qual mulher lasciva,
A transpirar a miasmas e humores,
Eis que as abria desleixada e repulsiva,
O ventre prenhe de livores.

Ardia o sol naquela pútrida torpeza,
Como a cozê-la em rubra pira
E para o cêntuplo volver à Natureza
Tudo o que ali ela reunira.

E o céu olhava do alto a esplêndida carcaça
Como uma flor a se entreabrir.
O fedor era tal que sobre a relva escassa
Chegaste quase a sucumbir.

Zumbiam moscas sobre o ventre e, em alvoroço,
Dali saíam negros bandos
De larvas, a escorrer como um líquido grosso
Por entre esses trapos nefandos.

E tudo isso ia e vinha, ao modo de uma vaga,
Que esguichava a borbulhar,
Como se o corpo, a estremecer de forma vaga,
Vivesse a se multiplicar.

E esse mundo emitia uma bulha esquisita,
Como vento ou água corrente,
Ou grãos que em rítmica cadência alguém agita
E à joeira deixa novamente.

As formas fluíam como um sonho além da vista,
Um frouxo esboço em agonia,
Sobre a tela esquecida, e que conclui o artista
Apenas de memória um dia.

Por trás das rochas, irrequieta, uma cadela
Em nós fixava o olho zangado,
Aguardando o momento de reaver àquela
Carniça abjeta o seu bocado.

- Pois há de ser como essa coisa apodrecida,
Essa medonha corrupção,
Estrela de meus olhos, sol da minha vida,
Tu, meu anjo e minha paixão!

Sim! Tal serás um dia, ó deusa da beleza,
Após a bênção derradeira,
Quando, sob a erva e as florações da natureza,
Tornares afinal à poeira.

Então, querida, dize à carne que se arruína,
Ao verme que te beija o rosto,
Que eu preservarei a forma e a substância divina
De meu amor já decomposto!

Charles Baudelaire

sexta-feira, 3 de agosto de 2007

Liberdade de expressão

"Posso não concordar com nenhuma das palavras que você diz, mas defenderei até a morte o direito de você dizê-las." Voltaire

quinta-feira, 2 de agosto de 2007

Nada é impossível de mudar

Desconfiai do mais trivial, na aparência singelo. E examinai, sobretudo, o que parece habitual.Suplicamos expressamente:não aceiteis o que é de hábito como coisa natural,pois em tempo de desordem sangrenta,de confusão organizada, de arbitrariedade consciente,de humanidade desumanizada,nada deve parecer natural, nada deve parecer impossível de mudar.Nada É Impossível De Mudar.


Bertold Brecht

A dor é a unica positiva

Do mesmo modo que o rio corre manso e sereno, enquanto não encontra obstáculos que se oponham à sua marcha, assim corre a vida do homem quando nada se lhe opõe à vontade. Vivemos inconscientes e desatentos, nossa atenção desperta no mesmo instante em que nossa vontade encontra um obstáculo e choca-se contra ele.

Sentimos ato contínuo tudo o que se ergue contra a nossa vontade, tudo o que a contraria ou lhe resiste: ou o que é mesmo tudo o que nos é penoso e desagradável.

No entanto, não prestamos atenção à saúde geral do nosso corpo, mas percebemos ligeiramente aonde o sapato nos molesta; não pensamos nos negócios e só nos importamos com uma ninharia que nos incomoda. Isto quer dizer que o bem-estar e a felicidade são valores negativos, e só a dor é positiva.

É um absurdo acreditar o contrário, que o mal é negativo. Ele é positivo, porque se faz sentir.
Toda a felicidade, todo o bem é negativo, e toda a satisfação também o é, porque suprime um desejo ou termina um pesar. Acrescentamos a isto que, em geral, nunca sentimos uma alegria maior do que a que sonhávamos, e que a dor sempre a excede.

Se quereis certeza das diferenças entre o prazer e a dor, comparem a impressão do animal que devora, com a impressão do devorado.

Arthur Schopenhauer

escrava













Ó meu Deus, ó meu Dono, ó meu Senhor,
Eu te saúdo, olhar do meu olhar,
Fala da minha boca a palpitar,
Gesto das minhas mãos tontas de amor!

Que te seja propício o astro e a flor,
Que a teus pés se incline a Terra e oMar,
P'los séculos dos séculos sem par,

Ó meu Deus, ó meu Dono, ó meu Senhor!
Eu, doce e humilde escrava, te saúdo,
E, de mãos postas, em sentida prece,
Canto teus olhos de oiro e de veludo.

Ah! esse verso imenso de ansiedade,
Esse verso de amor que te fizesse
Ser eterno por toda a eternidade!...

Florbela Espanca

quarta-feira, 1 de agosto de 2007

Rompendo as barreiras do preconceito e do cinismo

Por séculos a humanidade tem caminhado sendo guiada por preceitos e dogmas ditados por falsos moralistas,auto-denominados paladinos da justiça,moral e "bons costumes".Eu me recuso terminantemente a ser como gado em matadouro,maria-vai -com-as-outras.Nasci livre,sou livre e assim pretendo continuar até o fim.Faço meu próprio caminho,tomo minhas próprias decisões,não devo satisfações sobre minha vida a ninguém.Paralelamente,sou um cidadão consciente de meus direitos e deveres perante a sociedade hipócrita e falida.Por isso sou feliz,não reprimo meus desejos e fantasias,vivo a vida intensamente com pessoas que querem compartilhar comigo essa felicidade imensa,esse universo que ,na essência,prima pelas relações verdadeiras,sem falsidade,sem neuras,onde o objetivo é a busca do prazer e da realização plena,pura e simplesmete.