quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

Paciência

Ah! Se vendessem paciência nas farmácias e supermercados...

Muita gente iria gastar boa parte do salário nessa mercadoria tão rara hoje em dia.
Por muito pouco a madame que parece uma 'lady' solta palavrões e berros que lembram as antigas 'trabalhadoras do cais'.
E o bem comportado executivo?
O 'cavalheiro' se transforma numa 'besta selvagem' no trânsito que ele mesmo ajuda a tumultuar.
Os filhos atrapalham, os idosos incomodam, a voz da vizinha é um tormento, o jeito do chefe é demais para sua cabeça, a esposa virou uma chata, o marido uma 'mala sem alça'. Aquela velha amiga uma 'alça sem mala', o emprego uma tortura, a escola uma chatice.
O cinema se arrasta, o teatro nem pensar, até o passeio virou novela.
Outro dia, ví um jovem reclamando que o banco dele pela internet estava demorando a dar o saldo, eu me lembrei da fila dos bancos e balancei a cabeça, inconformado.
Vi uma moça abrindo um e-mail com um texto maravilhoso e ela deletou sem sequer ler o título, dizendo que era longo demais. Pobres de nós, meninos e meninas sem paciência, sem tempo para a vida, sem tempo para Deus.
A paciência está em falta no mercado, e pelo jeito, a paciência sintética dos calmantes está cada vez mais em alta. Pergunte para alguém, que você saiba que é 'ansioso demais' onde ele quer chegar?

Qual é a finalidade de sua vida?
Surpreenda-se com a falta de metas, com o vago de sua resposta.
E você?
Aonde você quer chegar?
Está correndo tanto para quê?
Por quem?
Seu coração vai aguentar?
Se você morrer hoje de enfarto agudo do miocárdio o mundo vai parar?
A empresa que você trabalha vai acabar?
As pessoas que você ama vão parar?
Será que você conseguiu ler até aqui?

Respire...

Acalme-se...

O mundo está apenas na sua primeira volta e, com certeza, no final do dia vai completar o seu giro ao redor do sol, com ou sem a sua paciência.

Arnaldo Jabor

Afinidade

Afinidade é um dos poucos sentimentos que resistem ao tempo e ao depois.

A afinidade não é o mais brilhante, mas o mais sutil, delicado e penetrante dos sentimentos.

E o mais independente também. Não importa o tempo, a ausência, os adiamentos, as distâncias, as impossibilidades.

Quando há afinidade, qualquer reencontro retoma a relação, o diálogo, a conversa, o afeto no exato ponto em que foi interrompido. Ter afinidade é muito raro.

Mas quando existe não precisa de códigos verbais para se manifestar.
Existia antes do conhecimento, irradia durante e permanece depois que as pessoas deixaram de estar juntas. Afinidade é ficar longe pensando parecido a respeito dos mesmos fatos que impressionam, comovem ou mobilizam.
É ficar conversando sem trocar palavras, é receber o que vem do outro com aceitação anterior ao entendimento. Não é sentir nem sentir contra. Nem sentir para. Nem sentir por. Nem sentir pelo. Afinidade é sentir com.
Sentir com é não ter necessidade de explicar o que está sentindo.
É olhar e perceber.

É mais calar do que falar, ou, quando falar, jamais explicar: apenas afirmar.
Afinidade é ter perdas semelhantes e iguais esperanças.
É conversar no silêncio, tanto nas possibilidades exercidas quanto das impossibilidades vividas.
Afinidade é retomar a relação no ponto em que parou sem lamentar o tempo de separação.
Porque tempo e separação nunca existiram, foram apenas oportunidades dadas pela vida.

Artur da Távola

Morre lentamente...

Morre lentamente
Quem não viaja, quem não lê, quem não ouve música, quem destrói o seu amor próprio, quem não se deixa ajudar.

Morre lentamente
Quem se transforma escravo do hábito, repetindo todos os dias o mesmo trajeto, quem não muda as marcas no supermercado, não arrisca vestir uma cor nova, não conversa com que não conhece.

Morre lentamente
Quem evita uma paixão, quem prefere o "preto no branco" e os "pingos nos is" a um turbilhão de emoções indomáveis, justamente as que resgatam brilho nos olhos, sorrisos e soluços, coração aos tropeços, sentimentos.

Morre lentamente
Quem não vira a mesa quando está infeliz no trabalho; quem não arrisca o certo pelo incerto atrás de um sonho; quem não se permite, uma vez na vida, fugir dos conselhos sensatos.

Morre lentamente
Quem passa os dias queixando-se da má sorte ou da chuva incessante, desistindo de um projeto antes de iniciá-lo, não perguntando sobre um assunto que desconhece e não respondendo quando lhe indagam o que sabe.

Evitemos a morte em doses suaves, recordando sempre que estar vivo exige um esforço muito maior do que o simples ato de respirar...
Estejamos vivo, então!

Pablo Neruda