quinta-feira, 1 de maio de 2008

100 Escovadas Antes de Ir para a Cama - Trecho do livro









Tem dias que não sei se devo parar de respirar definitivamente ou se fico em
apnéia durante todo o tempo que me resta. Dias em que debaixo das cobertas respiro e
engulo minhas lágrimas sentindo o sabor delas na língua. Levanto de uma cama
desarrumada com os cabelos despenteados e com a pele violentada. Nua, diante de um
espelho, observo meu corpo. Vejo uma lágrima escorrendo dos olhos pelas faces,
enxugo com um dedo e arranho um pouco a bochecha com a unha. Passo as mãos nos
cabelos, puxo para trás, faço uma careta só para parecer simpática e rir de mim mesma:
mas não consigo, quero chorar, quero me punir. Vou até a primeira gaveta da mesinha.
Primeiro examino tudo que tem dentro, depois separo com cuidado o que quero vestir.
Boto as roupas dobradas em cima da cama e ponho o espelho bem em frente do lugar
onde estou. Observo novamente o meu corpo. Os músculos ainda estão tensos, a pele,
no entanto, é macia e lisa, branca e imaculada como a de uma menina. E uma menina é
o que sou. Sento na beira da cama, enfio as meias esticando a ponta do pé e fazendo o
véu fino deslizar até que a borda rendada chegue à coxa, apertando um pouco. Depois é
a vez do corpete de seda preta com cordões e fitinhas. Aperta meu busto e afina a
cintura que já é bem fina, evidenciando ainda mais os quadris, muito bem providos,
redondos e macios demais para evitar que os homens desagüem ali as suas bestialidades.
Os seios ainda são pequenos: duros, brancos, redondos, cabem nas mãos e podem
esquentá-las com seu calor. O corpete é estreito, os seios ficam comprimidos, apertados
um contra o outro. Ainda não é chegado o tempo de admirar-me. Calço as botas de salto
agulha, enfio o pé até o tornozelo delicado e sinto que meu metro e sessenta ganha
repentinamente dez centímetros. Vou até o banheiro, pego o batom vermelho e banho
meus lábios suculentos e macios; depois aumento os cílios com rímel, penteio os
cabelos longos e lisos e vaporizo três vezes o perfume que estava em cima do espelho.
Volto para o quarto. Lá verei a pessoa que me faz vibrar a alma e o corpo com força.
Examino-me encantada; uma luz especial contorna meu corpo, e meus cabelos caídos
suavemente nos ombros convidam-me a acariciá-los. A mão cai vagarosamente dos
cabelos, quase sem que eu perceba, para o pescoço, acaricia a pele delicada, e dois
dedos envolvem sua circunferência apertando de leve. Começo a ouvir o som do prazer,
ainda quase imperceptível. A mão desce um pouco mais, começa a acariciar o peito liso.
A menina vestida de mulher que está diante de mim tem os olhos acesos e ávidos (de
quê? de sexo? de amor? de vida verdadeira?). A menina só é senhora de si mesma. Seus
dedos emaranham-se entre os pêlos de seu sexo e o calor lhe provoca um
estremecimento da cabeça. Mil sensações me invadem.
- Você é minha - sussurro, e logo a excitação toma posse do meu desejo.
Mordo os lábios com os dentes perfeitos e brancos, os cabelos descompostos
fazem minhas costas suarem, pequenas gotas enchem meu corpo de pérolas.
Ofegante, os suspiros aumentam... Fecho os olhos, meu corpo tem espasmos por
todo lado, minha mente está livre e voa. Os joelhos cedem, a respiração é curta e a
língua percorre os lábios, cansada. Abro os olhos: sorrio para a menina. Aproximo-me
do espelho e lhe ofereço um beijo longo e intenso, minha respiração embaça o vidro.
Sinto-me sozinha, abandonada. Sinto-me como um planeta em cuja órbita giram
três estrelas diversas: Letizia, Fabrizio e o professor. Três estrelas que me fazem
companhia em pensamento, mas não na realidade.


100 Escovadas Antes de Ir para a Cama - Melissa Panarello

Um comentário:

Anônimo disse...

Me sinto meio Melissa, nunca pensei achar alguém como eu.