Parece-me a mim que o pressuposto em que se baseiam as ações
restritivas dos nossos guardiões morais é simplesmente o de que o acesso à
literatura proibida nos pode levar a comportar-se como animais. Mas pensar
assim é insultar o reino animal. E, ao mesmo tempo, transformar paixão, o maior
atributo do homem, numa caricatura. A gama da paixão humana é quase ilimitada,
atingindo alturas e profundidades impensáveis. Precisamente por abarcar tais
extremos é a paixão a autêntica pedra de toque da nossa humanidade, e talvez
também da nossa divindade. De todas as criaturas da terra, o homem é a única de
comportamento imprevisível. Há em nós alguma coisa de toda a criação. Quando
nos é negada a menor parcela de liberdade, ficamos espiritualmente limitados e
mutilados. É a plena consciência da nossa natureza múltipla e a integração da
miríade de elementos de que somos compostos que nos faz completos, que nos faz humanos.
A religião faz de nós santos, ou apenas bons cidadãos, mas o que faz de nós
homens, o que nos faz humanos até ao âmago, é a liberdade. É uma palavra
terrível, a liberdade, para aqueles que viveram toda a vida mentalmente
algemados.
Henry Miller, in A Obscenidade na Literatura.
Henry Miller, in A Obscenidade na Literatura.
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